Até abril de 2022, todos os medicamentos brasileiros terão que atender à norma da Anvisa que prevê a rastreabilidade desses produtos, ou seja, por meio de um código de barras bidimensional em cada embalagem, chamado DataMatrix, o órgão regulador poderá acompanhar o caminho do medicamento, da indústria à casa do consumidor.
Mas, antes disso, o projeto-piloto que envolve empresas como Bayer, Libbs, Profarma, Raia Drogasil e Drogaria Araújo precisa ser concluído. Para entender melhor em que pé está a questão da rastreabilidade de medicamentos, conversamos com o presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini. Leia a seguir.
Revista da Farmácia: A Anvisa e o setor regulado vêm tentando implantar a rastreabilidade desde 2008. Por que eles ainda não conseguiram?
Nelson Mussolini: Antes de mais nada, é preciso entender que a rastreabilidade é um processo complexo e demorado. Além disso, o projeto apresentado originalmente era inviável. A primeira ideia de rastreabilidade no País não iria funcionar e tinha custos astronômicos, que impactariam ainda mais os resultados da indústria farmacêutica. Para evitar isso, as entidades do setor – indústria, distribuição e varejo – se mobilizaram e conseguiram demonstrar a necessidade de alterar o marco legal vigente até então. O sistema de rastreamento não poderia onerar ainda mais as empresas, que têm os preços de seus produtos controlados pelo governo e em valores que estão sempre defasados, abaixo da inflação e da evolução dos custos de produção da indústria. Ao contrário do que acontece com outros segmentos econômicos, o setor farmacêutico não teria como incorporar mais um custo.
O modelo agora definido pela Anvisa segue a mesma linha do que acontece nos países desenvolvidos, nos quais a agência sanitária é responsável pelo gerenciamento e o controle do banco de dados.
RF: O novo prazo limite do governo para implantação da rastreabilidade é 2022. É tempo suficiente? E o que falta ainda fazer para a rastreabilidade, de fato, começar em toda a cadeia?
Mussolini: O modelo agora definido pela Anvisa segue a mesma linha do que acontece nos países desenvolvidos, nos quais a agência sanitária é responsável pelo gerenciamento e o controle do banco de dados.
RF: Quais são os desafios que ainda precisam ser superados para tirar a rastreabilidade do papel?
Mussolini: A regulamentação adotada no Brasil, com a Lei 11.903/2009 e a RDC nº 157/2017, segue os padrões internacionais e certamente atingirá os objetivos preconizados pela indústria farmacêutica desde as primeiras discussões sobre o tema.
RF: A indústria está mais receptiva à proposta de rastreabilidade?
Mussolini: A indústria farmacêutica sempre esteve receptiva à ideia. Na verdade, a proposta de introduzir um sistema integrado de rastreabilidade de medicamentos no País partiu da própria indústria farmacêutica. Inicialmente, há 15 anos, a principal motivação do setor em instituir a rastreabilidade era a de reduzir a concorrência desleal, causada pela informalidade e a sonegação fiscal. Esse problema foi resolvido com a adoção da Substituição Tributária e da Nota Fiscal Eletrônica. Atualmente, a rastreabilidade é importante para melhorar o controle sanitário por parte da indústria e dos órgãos de saúde pública. Se a empresa precisar fazer um “recall” de um determinado medicamento, saberá exatamente onde deve buscar o produto e como tirá-lo do mercado de forma rápida, evitando assim que traga dano para a população. Em outras palavras, hoje o sistema é importante para dar mais segurança ao consumidor.
RF: O senhor tem informações sobre o projeto-piloto que está em andamento? Como têm sido os resultados?
Mussolini: A Anvisa estabeleceu o prazo de um ano para o piloto, mais oito meses para avaliar a operação do sistema, num total de 20 meses de teste. Esse prazo termina em abril de 2019. A implantação do Sistema Nacional de Controle de Medicamentos (SNCM) está prevista para o período de maio de 2019 a abril de 2022. As indústrias escolhidas para o projeto-piloto são: Aché, Bayer, Boehringer, Janssen-Cilag e Libbs. Os representantes voluntários do varejo e da distribuição são: Profarma, Genésio A. Mendes & Cia., Raia Drogasil, Drogaria Araújo, Z. K. Ferreira Farmácia, S. M. Mantovani Sguario & Cia, Drogaria Soares, Hospital Albert Einstein e Fundação São Francisco Xavier.
RF: Estamos atrasados em relação ao restante do mundo na questão da rastreabilidade?
Mussolini: Não. A rastreabilidade de medicamentos é uma questão relativamente recente em todo o mundo. Os prazos ajustados são compatíveis com as possibilidades das empresas e estão alinhados com um processo semelhante em curso nos Estados Unidos. A questão no Brasil ficou bem resolvida.
Cada segmento da cadeia farmacêutica – indústria, distribuição e varejo – está encarregado de adquirir, operar e validar seu respectivo banco de dados e os equipamentos e sistemas de envio para o banco de dados central do sistema.
RF: Como será o envio dos dados à Anvisa? Antes, seria responsabilidade da indústria. Mas isso mudou. Então, quem vai fazer esse envio? E quem vai pagar a conta?
Mussolini: Cada segmento da cadeia farmacêutica – indústria, distribuição e varejo – está encarregado de adquirir, operar e validar seu respectivo banco de dados e os equipamentos e sistemas de envio para o banco de dados central do sistema. Após um período de avaliação, a Dataprev foi escolhida para sediar o banco de dados do Sistema Nacional de Controle de Medicamentos (SNCM), em convênio com a Anvisa. Segundo as informações disponíveis, esse banco de dados estará pronto para receber as informações das empresas em mais três ou quatro meses.
RF: Quanto a indústria está investindo ou já investiu até agora no projeto da rastreabilidade, fazendo adequações nas linhas de produção?
Mussolini: O Sindusfarma estima em, aproximadamente, R$ 2 bilhões os investimentos da indústria farmacêutica em equipamentos e sistemas de rastreabilidade de medicamentos.