Lá no finalzinho do Relatório da Auditoria, na última folha, no último anexo, lá onde dá preguiça de chegar, estão as orientações do Fundo Nacional de Saúde para a quitação dos débitos apurados nas auditorias do Programa “Aqui tem Farmácia Popular”. É naquele espaço tão pouco acolhedor que o empresário que foi auditado pelo DENASUS ou pelo DAF vai entender a fórmula de cálculo que deverá usar para atualizar sua dívida para com o Governo Federal.
Questionável ou não, quando da conclusão da Auditoria do Farmácia Popular, resta ao conveniado auditado pagar, dar o calote no governo e sofrer as consequências ou apelar para o Poder Judiciário, que começa a atentar para as regras ilegais criadas pelo programa.
Explico primeiro a matemática: naquele cantinho infame da orientação para o cálculo, lê-se que o valor do débito deverá ser atualizado pela correção monetária pela taxa Selic mais juros de 1% ao mês ou fração. Reside aí, na aplicação conjunta dos juros de 1% com a Selic, o pecado. É que a Selic inclui, a um só tempo, o índice de inflação do período e a taxa real de juros, não cabendo que a ela se acresça mais juros mensais.
Os tribunais superiores já há muito pacificaram sobre o tema, que no resumo do falecido Ministro do STJ, Franciulli Netto, “é uma mescla de várias outras entidades (correção monetária, juros compensatórios e remuneratórios) e que também, para fins tributários, é empregada não só para fazer frente a esses itens, como também para fazer as vezes de juros moratórios”. Então, sim, a Selic é um combo, e sim, a União sabe disso, mas insiste em cobrar das empresas do Farmácia Popular de forma indevida. Se o empresário farmacêutico por si só elaborar o cálculo e pagar o débito excluindo os juros, um lembrete ao final da auditoria indica que ele será cobrado posteriormente: “Se o procedimento de atualização não for adotado corretamente, poderão permanecer as pendências junto ao Ministério da Saúde”. Esse é o famoso “se colar, colou”.
Não fosse somente a aplicação ilegal dessa fórmula de cálculo, outra questão chama a atenção: a data do fato gerador – que é a data em que os juros mensais começam a ser cobrados. Em algumas auditorias, embora o período auditado seja, por exemplo, 2014, a data do fato gerador para fins de aplicação dos juros pode remeter a 2011. Absurdo? É. Um acréscimo significativo no valor a ser restituído ao Programa que, diga-se de passagem, é absolutamente indevido.
Além disso, em tempos de Selic alcançando 2% e as auditorias demorando anos para serem concluídas, os juros se mostram os vilões para a sobrevivência do empresário de farmácia que aderiu ao programa e quer se manter no mercado, ou ao menos não pagar o que não deve.
Explico a estratégia: como não existe recurso administrativo do resultado da auditoria e ninguém quer esperar o procedimento se tornar Tomada de Contas Especial do TCU, com todas as implicações que esse processo pode alcançar, o que resta é apelar para o Poder Judiciário, que tem vislumbrado nas auditorias realizadas pelo Ministério da Saúde inclusive glosas indevidas. Mas não espere somente por uma resposta judicial. Iniciado o procedimento de verificação e solicitando o DAF, documentação do Programa, cerque-se de conhecimento técnico para minimizar o problema. Porque uma coisa é certa: uma defesa de auditoria do Farmácia Popular malconduzida desde seu início significa um imenso problemão que pode, inclusive, acabar na Polícia Federal. E ninguém quer isso, concorda?
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