Futuro da farmácia se conecta ao futuro do sistema de saúde

Conversamos com Cassyano Correr, farmacêutico, consultor, coordenador do Programa de Assistência Famacêutica Avançada da Abrafarma e fundador do Clinicarx, sobre a profissão farmacêutica e os rumos da farmácia no Brasil

No mês em que se comemora o Dia Nacional do Farmacêutico (20 de janeiro), aflora o convite para muitas reflexões, entre elas, o futuro da farmácia e do farmacêutico no atual modelo brasileiro. Mas qual é esse modelo? Como será o futuro da farmácia brasileira? Que avanços ainda são necessários? Essas e outras questões dominaram o papo que tivemos com o farmacêutico, consultor, coordenador do Programa de Assistência Farmacêutica Avançada da Abrafarma e fundador do Clinicarx, Cassyano Correr. Leia a seguir.

Revista da Farmácia: Impossível não começar perguntando sua opinião sobre a venda de MIPs em supermercados, já que esse assunto foi tema de discussão recente na Câmara dos Deputados.

Cassyano Correr: A venda de MIPs em supermercados, no Brasil, não é uma boa saída do ponto de vista sanitário e mesmo econômico. Não temos problema de acesso aos MIPs, já que a cobertura de farmácias e farmacêuticos é muito boa no País e continua crescendo ano após ano. Levar MIPs aos supermercados é claramente um interesse apenas dos próprios supermercados e de alguns fabricantes e não traz consigo qualquer preocupação com o suporte ao autocuidado, ao combate à automedicação ou mesmo com a qualidade dos produtos. Eles argumentam que os produtos ficarão mais baratos, mas há estudos mostrando que até para itens de higiene e beleza os supermercados vendem mais caro, então não é uma garantia. Além disso, as farmácias seguem uma extensa lista de obrigações regulatórias pesadas em relação à dispensação de medicamentos e não vejo os supermercados preparados para seguirem as mesmas exigências. Enfim, não me parece um avanço, mas um risco à saúde pública neste momento do Brasil.

RF: Você tem viajado o Brasil todo, ministrando treinamentos e visitando farmácias. O que você tem visto de avanços nessas suas andanças?

Cassyano Correr: O maior avanço, a meu ver, tem sido uma mudança de mentalidade que lentamente está ocorrendo em quase todo o varejo farmacêutico. Os líderes do setor estão olhando para o papel do farmacêutico e para a prestação de serviços clínicos nas farmácias de uma forma mais estratégica. Ao mesmo tempo, muitos farmacêuticos estão acordando para o potencial dessa virada para suas carreiras. Essa mudança no olhar traz consigo também uma série de novos desafios que precisarão ser considerados pelas empresas e profissionais nos próximos anos.

A atuação do farmacêutico é o principal diferencial – talvez o único – dos estabelecimentos em relação a outros segmentos do varejo.

RF: Muito se tem falado do empoderamento farmacêutico. Como você o define?

Cassyano Correr: Não é propriamente um termo que eu utilizo, mas “empoderamento” seria para mim dar autonomia ao farmacêutico para que ele pratique sua profissão junto aos pacientes/clientes, atuando em um modelo de negócio bem resolvido dentro da empresa.

RF: Você é um dos autores do livro A prática farmacêutica na Farmácia Comunitária. Resumindo, do que se trata essa prática no século XXI?

Cassyano Correr: Esse livro é um texto-base que lançamos pensando principalmente no ensino de graduação. Nele mostramos a mudança de paradigma de uma prática farmacêutica centrada na dispensação do produto (que é o modelo que impera há 50 anos), para uma prática centrada no cuidado ao paciente (que é o modelo que irá dominar as próximas décadas).

RF: Ainda se discute qual seria o melhor modelo de farmácia para o Brasil. Você tem uma opinião formada sobre isso?

Cassyano Correr: Acredito que haja espaço para diferentes modelos. Mas não se trata de dicotomizar os modelos em um europeu e um americano. Isso seria simplista demais. Há desde aquelas muito focadas na venda de medicamentos (do popular ao especializado), passando pela expansão de mix de produtos (lojas grandes, cosméticos, conveniência) até aquelas que focam a prestação de serviços clínicos (do básico ao avançado). Os empresários escolhem o modelo de farmácia que desejam com base em posicionamento, público-alvo e competência na execução. Por isso, é quase impossível pensar em um único modelo de farmácia. Por outro lado, há um fio condutor que liga todos esses modelos: a atuação do farmacêutico. Na verdade, é a atuação do farmacêutico o principal diferencial (talvez o único) desses estabelecimentos em relação a outros segmentos do varejo.

Poderíamos estar muito à frente se a Anvisa fosse mais rápida na regulamentação. Precisamos urgentemente de uma nova RDC 44/2009 que seja ampla o suficiente para tornar nosso mercado mais livre e mais competitivo.

RF: Os serviços farmacêuticos estão avançando rapidamente, mas a legislação brasileira é lenta. Um exemplo: os testes de colesterol ainda não são permitidos pela Anvisa. E a RDC 44/2009, que norteia os serviços, está defasada. Como conciliar esses contraditórios?

Cassyano Correr: É o maior problema que enfrentamos hoje. Poderíamos estar muito à frente se a Anvisa fosse mais rápida na regulamentação. As vigilâncias sanitárias locais, mesmo sendo descentralizadas, tendem a cumprir estritamente o que está escrito nas RDCs. Argumentam que, se não está regulamentado, então está proibido. Isso torna o ambiente muito difícil para quem quer inovar. Perde a população, perde o Brasil. Algumas empresas se esforçam para romper essa barreira e enfrentam a não regulamentação, mas são exceção. Precisamos urgentemente de uma nova RDC 44/2009 que seja ampla o suficiente para tornar nosso mercado mais livre e mais competitivo. É uma questão de saúde pública.

RF: Já existem soluções tecnológicas que ajudam a farmácia a fazer a gestão dos serviços farmacêuticos. Um exemplo é o próprio Clinicarx, oferecido pela sua empresa. Como essa ferramenta ajuda a farmácia?

Cassyano Correr: O Clinicarx nasceu exatamente da necessidade de profissionalizar os serviços farmacêuticos. Nos dias de hoje, é impossível pensar em segurança e qualidade de processos sem um software por trás. O Clinicarx permite o registro eletrônico dos atendimentos, dá suporte técnico ao farmacêutico e inteligência na gestão do negócio baseado em serviços. Tenho orgulho do que estamos desenvolvendo e teremos muitas novidades para mostrar em 2019. O principal beneficiário dessa tecnologia, sem dúvida, são os pacientes, que passam a contar com um atendimento de primeiro mundo.

Precisaremos amadurecer o modelo de negócio que sustenta os serviços e os estabelecimentos.

RF: Montar consultórios farmacêuticos, adquirir novas tecnologias e capacitar os farmacêuticos são investimentos, muitas vezes, altos. Como você vê a atuação da pequena farmácia nesse novo contexto, de farmácia centrada no paciente? Será que o pequeno tem condições de oferecer tudo isso?

Cassyano Correr: Para o pequeno eu diria que é uma questão de sobrevivência. Na medida em que as grandes redes avançam, as farmácias independentes precisarão cada vez mais se especializar naquilo que fazem de melhor, que é a ligação e o pertencimento junto à comunidade que atendem. Nesse ponto, a prestação de serviços pode ser uma alternativa de sustentabilidade. Obviamente, isso não exime o empresário de fazer uma gestão eficiente de seu negócio, do ponto de vista do comércio de medicamentos e produtos. Olhando para mercados mais maduros, como os Estado Unidos, podemos ver que os farmacêuticos donos de farmácias independentes de lá estão migrando fortemente para um modelo de serviços, no qual irão basear uma parte importante de seu faturamento para os próximos anos. Se você fica olhando apenas para a concorrência do comércio, é quase impossível competir com os grandes, mas, quando a farmácia se vê como uma prestadora independente de serviços clínicos, é um jogo completamente diferente.

RF: Quais são os principais desafios da farmácia brasileira nos próximos 10 anos?

Cassyano Correr: O primeiro desafio é regulatório, sem dúvida. Em seguida, precisaremos amadurecer o modelo de negócio que sustenta os serviços e os estabelecimentos. Fortalecer a conexão da farmácia junto a outros pontos de atenção do sistema de saúde, e as parcerias possíveis entre farmácias, empresas, operadoras de saúde, hospitais e governo. Mais adiante, discutir até onde levaremos a transformação da farmácia, considerando também a inserção multiprofissional dentro desses estabelecimentos e o modelo de remuneração baseado em valor (resultados de saúde). Nesse ponto, o futuro da farmácia se conecta ao futuro do sistema de saúde.

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Este post tem 2 comentários

  1. Camyla J. Correr

    Excelente matéria!!👏

  2. Raquel Miranda

    Adorei a matéria !!

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