O presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou ontem (15/4), a Lei Federal 13.989/2020. Ela dispõe sobre o uso da telemedicina durante a crise causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2). No entanto, é equivocada a interpretação de que a prescrição digital foi vetada ou proibida conforme vem noticiando a imprensa.
Em resposta ao questionamento da Revista da Farmácia, a Anvisa esclareceu, no fim desta tarde, que continua válida a orientação de que a assinatura digital com certificados ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira) deve ser utilizada nas receitas de controle especial e nas prescrições de antimicrobianos. Assim sendo, farmácias e drogarias que disponham de recurso para realizar a consulta ao original em formato eletrônico podem considerar o documento válido.
Essa orientação se refere somente a documentos que podem ser originados eletronicamente e se baseiam nas disposições contidas na Medida Provisória 2.200-2/2001, que instituiu a ICP-Brasil, a qual garante autenticidade, integridade e validade jurídica aos documentos emitidos em formato originalmente eletrônico. A assinatura digital que utiliza os certificados ICP-Brasil apresenta, portanto, a prova inegável de que a respectiva mensagem veio do emissor.
Segundo a Anvisa, “a recente lei publicada não altera tais dispositivos”. A agência lembra ainda que a prescrição eletrônica com assinatura digital tratada nas orientações em vigor não é o mesmo que a prescrição digitalizada (cópia digitalizada de uma receita emitida manualmente).
Entenda o caso
A Lei 13.989 veta o parágrafo único do artigo 2º e o artigo 6º, ambos do projeto de lei que deu origem à norma.
Art. 6º: “Competirá ao Conselho Federal de Medicina a regulamentação da telemedicina após o período consignado no art. 2º desta Lei.”
Parágrafo único do art. 2º: “Durante o período a que se refere o caput, serão válidas as receitas médicas apresentadas em suporte digital, desde que possuam assinatura eletrônica ou digitalizada do profissional que realizou a prescrição, sendo dispensada sua apresentação em meio físico.”
O veto apenas significa que esses artigos não fariam parte da Lei 13.989. A lei não inclui uma proibição às regulamentações anteriores, que são a Portaria 467, de 20/3/2020, do Ministério da Saúde; e a Nota Técnica da Anvisa, de 2/03/2020, que autoriza as prescrições digitais para alguns controlados e todos os antimicrobianos.
“Vetar um artigo em um projeto de lei significa que ele não fará parte da lei divulgada. Portanto, a Lei 13.989 não cancela qualquer outra normativa sobre o tema. Para mim, essa lei é desnecessária, já que repete a autorização da telemedicina dada pela Portaria 467”, comenta Ihvi Maria, presidente da Associação Brasileira das Startups de Saúde.
Segundo o consultor jurídico da ABCFARMA, Rafael Espinhel, a prescrição médica digital permanece válida, nos termos da Portaria MS 467/20. “A razão do veto do parágrafo único se deu porque, conforme redação do dispositivo, seriam consideradas válidas as receitas médicas apresentadas em suporte digital, com assinatura eletrônica ou digitalizada do profissional médico prescritor. O ponto sensível na redação foi a inclusão do termo ‘digitalizada’, equiparando a validade e autenticidade de um documento digitalizado e de fácil adulteração ao documento eletrônico com assinatura digital com certificado ICP-Brasil. O legislador, nesse ponto, equivocou-se, o que justifica o veto, para afastar o risco sanitário. Todavia, é importante dizer que o veto não afasta o disciplinado pela Portaria 467 do Ministério da Saúde, que, nos artigos 5 e 6, dispõe sobre as receitas médicas eletrônicas, não possibilitando a forma digitalizada”, esclarece o consultor jurídico.
Vale lembrar dois artigos da Portaria 467:
Art. 5º Os médicos poderão, no âmbito do atendimento por telemedicina, emitir atestados ou receitas médicas em meio eletrônico.
Art. 6º A emissão de receitas e atestados médicos a distância será válida em meio eletrônico, mediante:
I – Uso de assinatura eletrônica, por meio de certificados e chaves emitidos pela Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil;
II – O uso de dados associados à assinatura do médico de tal modo que qualquer modificação posterior possa ser detectável; ou
III – Atendimento dos seguintes requisitos:
a) Identificação do médico;
b) Associação ou anexo de dados em formato eletrônico pelo médico; e
c) Ser admitida pelas partes como válida ou aceita pela pessoa a quem for oposto o documento.
Uma interpretação mais profunda das justificativas do veto mostra que, na verdade, a Presidência reforça que somente prescrições digitais com certificado ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira) são válidas em território nacional.
CFF reforça validade da prescrição eletrônica
E foi o que disse o Conselho Federal de Farmácia (CFF) em nota divulgada hoje. “A prescrição eletrônica continua prevista na Portaria MS nº 467/2020. Bolsonaro vetou o trecho que autorizava receitas com assinatura digital ou eletrônica sem mencionar certificação do ICP-Brasil”, diz a nota.
Segundo o CFF, com o veto, continua valendo a Portaria 467/2020, que exige o uso de assinatura eletrônica para receitas e atestados médicos, por meio de certificados e chaves emitidos pela ICP-Brasil, observando os requisitos previstos em atos da Anvisa.
Atualmente, a Anvisa apenas reconhece as prescrições eletrônicas com assinaturas certificadas pelo ICP-Brasil, e restringe essas prescrições aos antimicrobianos e medicamentos controlados. Para entorpecentes, talidomida e retinóides de uso sistêmico, continuam sendo exigidas as receitas de papel, amarela, azul e branca, em duas vias, com retenção.