MIPs em supermercados são novamente tema de audiência pública

Ampliação do acesso e redução de preços são principais justificativas, mas entidades do setor rebatem com argumentos relacionados a risco sanitário, ameaça à saúde e quebradeira de farmácias independentes.

A Comissão de Seguridade Social e Família, da Câmara dos Deputados, promoveu uma audiência pública presencial com transmissão pelo YouTube ontem (28/06) sobre a venda de MIPs em supermercados, proposta pelo PL 1.774/2019, do deputado Glaustin Fokus (PSC-GO).

Essa foi a segunda audiência pública sobre o tema na Comissão, mas está longe de ser conclusiva. A queda de braço entre os dois setores – farmácias e supermercados – marcou o tom do debate, ainda longe de consenso. A própria relatora, deputada Adriana Ventura (NOVO-SP), afirmou, no fim da sessão, que esse tema ainda precisa ser depurado, principalmente diante da superficialidade dos dados apresentados.

“Está claro para mim que os dados não batem, sendo confusos e contaminados. Precisamos depurar os números e entender por que supermercados não podem vender MIPs, mas por que motivo farmácias podem fazer vendas online. Acho que isso rende uma terceira consulta pública”, numa clara demonstração de que é favorável ao PL.

Entidades dos setores de farmácias e supermercados estiveram presentes na audiência defendendo seus pontos de vista, o que já era esperado. A maior surpresa talvez tenha sido ver e ouvir o Ministério da Economia defendendo a venda de MIPs em supermercados, expondo claramente sua posição parcial dentro do debate.

Leia também: Entidades do setor farma participam de audiência na Câmara sobre Farmácia Popular

Ministério da Economia é favorável à venda de MIP em supermercado

O subsecretário de Advocacia da Concorrência do Ministério da Economia, Andrey Vilas Boas, para defender o ponto de vista do Ministério da Economia, destacou que os MIPs possuem baixo risco de intoxicação, poucas chances de reações adversas e quase nenhuma interação medicamentosa, inclusive sem potencial para causar dependência.

Alegou que a ampliação da oferta ao se incluir os MIPs no mix dos supermercados vai reduzir o preço desses medicamentos e trazer impactos positivos para a economia à medida que estimula a concorrência entre fabricantes, mas principalmente vai ampliar o acesso nos municípios que não possuem farmácia, um total de apena 57 cidades.

Do ponto de vista regulatório e do risco, Andrey citou o papel da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e disse que ela poderá estabelecer critérios para que a venda ocorra de forma segura fora das farmácias.

O representante do Ministério da Economia apresentou dados do mercado de MIPs: fatura R$ 17,2 bilhões por ano, recolhe R$ 5,1 bilhão de impostos, representa 0,13% do PIB brasileiro e gera 25 mil empregos diretos, segundo informações fornecidas pela Abimip.

A apresentação e o posicionamento do Ministério da Economia foram duramente criticados por alguns deputados presentes, entre eles, a deputada Alice Portugal (PCdoB). “Em vez de defender um segmento em detrimento de outro, o Ministério da Economia deveria levar uma proposta ao BNDES de financiamento para abertura de farmácias por farmacêuticos nos poucos municípios onde elas ainda não existem”, disse em contraponto ao argumento de que MIP em supermercado amplia o acesso ao medicamento.

Anvisa, por outro lado, é contra o PL dos MIPs em supermercados

A Anvisa participou da audiência pública e deixou clara sua posição contrária ao PL 1.774. “Somos contrários devido ao risco sanitário causado pela ausência de um farmacêutico para orientar sobre o uso correto do MIP. Ainda que sejam medicamentos isentos de prescrição, vendê-los num local sem farmacêutico tira das pessoas a possibilidade e o direito à informação e à orientação sobre como usar o medicamento”, afirmou Fabrício Carneiro de Oliveira, representante da agência reguladora.

Fabrício destacou ainda que não há ausência de risco nos MIPS, o que há são graus de riscos diferentes para cada tipo de medicamento, citando o paracetamol, que em doses elevadas pode provocar problemas hepáticos. “Entendemos o lado comercial, mas não se trata de um produto comum. Como o Brasil já tem uma cultura de automedicação, liberar a venda de MIPs em supermercados poderia estimular ainda mais o consumo indevido de medicamentos”, acrescentou.

Entidades apresentam seus prós e contras

A primeira entidade a apresentar seu ponto de vista foi a Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores de Produtos Industrializados (Abad). O advogado e assessor jurídico da Abad, Alessandro Vicenti, deixou claro que a entidade é a favor do PL, mas reconhece também o papel da Anvisa na regulação da venda.

Para a Abad, a venda de MIPs em supermercados amplia o acesso aos medicamentos em municípios que não possuem farmácias e beneficia microempresários, gerando renda e novos empregos. “O PL representa a expansão e a universalização do MIP, que tem baixo risco sanitário para o consumidor. Se a farmácia vende outros produtos que não medicamentos, por que os supermercados também não poderiam vender MIPs?”, provocou durante seus apontamentos finais.

O advogado e presidente da Associação Brasileira do Comércio Farmacêutico (Abcfarma), Rafael Oliveira Espinhel, apresentou o ponto de vista da entidade, que é contrária ao PL. Segundo ele, não é verdadeira a informação dada pelo representante da Abad de que 90 mil farmácias atendem a apenas 800 municípios brasileiros, argumento utilizado para justificar a venda do MIP em supermercados.

 De acordo com o presidente da Abcfarma, na verdade, as mais de 80 mil farmácias e drogarias cobrem 99% de todos os 5.568 municípios, ou seja, a capilaridade é enorme e, por isso, não se justifica o argumento de que MIP em supermercado amplia o acesso a medicamentos. “Onde não há farmácia, a lei garante que os medicamentos cheguem às pessoas por meio do SUS e postos volantes de saúde”, disse.

Durante sua fala, Rafael levantou dois aspectos importantes: o papel estratégico das mais de 60 mil farmácias independentes de pequeno porte na promoção da saúde e do uso seguro e racional do medicamento; e o risco econômico que a inclusão do MIP em supermercados pode trazer para essas empresas, alegando que elas não terão condição de competir com gigantes do setor supermercadista.

“A venda de MIPs em outros locais pode afetar as pequenas farmácias até mesmo na sua sustentabilidade, provocando a derrocada de muitos negócios de pequeno porte, gerando desemprego e redução do acesso ao medicamento. Se queremos ampliar o acesso, devemos começar reduzindo a carga tributária que incide sobre os medicamentos”, sugeriu.

Outro alerta feito pelo presidente da Abcfarma diz respeito ao Programa Aqui Tem Farmácia Popular, parceria do governo com as farmácias privadas para ampliar o acesso ao medicamento com orientação do farmacêutico. “Se queremos falar em promoção à saúde, devemos aprimorar e ampliar programas como Farmácia Popular e não fragilizar o sistema de vigilância sanitária. A venda de MIPs em supermercados poderia, inclusive, enfraquecer o programa, que atualmente está presente em 4.398 municípios por intermédio das farmácias conveniadas. Em 2021, foram atendidas mais de 20 milhões de pessoas”, finalizou.

Presidente do CFF chama de “economia burra” o uso indiscriminado de MIPs

O presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Walter Jorge João, apresentou quatro motivos para a sociedade rejeitar o PL: “economia burra”, países que vendem MIP em supermercado pagam muito caro, MIPs causam milhares de intoxicações e venda de MIP em supermercado no Brasil de 1983 a 1985 elevou os índices de intoxicações. Para cada motivo, o presidente do CFF detalhou seu ponto de vista com base em estatísticas, chamando a atenção para a banalização do comércio de medicamentos.

Segundo ele, o SUS gasta R$ 60 bilhões com tratamento de danos causados por medicamentos, o que corresponde a R$ 2.200 por paciente. Isso porque o Brasil está entre as nações que mais se automedicam no mundo. O baixo preço do MIP associado ao uso indiscriminado favorecido pelos supermercados traria prejuízos ao SUS. “Não é racional economizar com consultas e gastar multiplicado com internações”, disse.

Apresentou dados do Sistema Nacional de Atendimento Médico (Sinam) mostrando que, no Brasil, a cada 4 horas, 4 pessoas são intoxicadas por medicamentos. Acrescentou que 90% dos brasileiros se automedicam, 47% se automedicam, pelo menos, uma vez ao mês e 25% se automedicam todos os dias ou, pelo menos, uma vez na semana, segundo pesquisas do ICTQ e Datafolha. E, com base em dados da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), mostrou que ocorrem 37 casos de intoxicação por medicamento/dia em crianças e adolescentes.

69% das pessoas procuram o farmacêutico para tirar algum tipo de dúvida

A Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), representada por Renato Alencar Porto, diretor executivo de Relações Institucionais, citou como as farmácias, principalmente a partir da Lei 13.021, vêm mudando o padrão de atendimento à população.

Renato lembrou como os testes de Covid-19, durante a pandemia, reforçaram o papel da farmácia como estabelecimento de saúde. “Precisamos valorizar o farmacêutico e entender que a escolha não é econômica, mas sim técnica. Escolher um remédio não é como escolher entre a marca A ou B de arroz. Medicamento não é bala”, criticou.

O representante da Abrafarma também citou dados, entre eles, os de que 77% dos brasileiros adultos declaram fazer automedicação; 83% precisam gerenciar sozinhos os medicamentos e, por isso, dependem da orientação farmacêutica; e que 69% das pessoas procuram o farmacêutico para tirar algum tipo de dúvida, segundo pesquisa do IBOPE.

Por fim, Renato reconheceu que o MIP é uma ferramenta importante para o autocuidado, mas que não é isento de risco. “Escolher entre dipirona e paracetamol é uma questão de saúde e não econômica”, voltou a frisar.

85% das pessoas esperam, no máximo, 3 dias para a melhora dos sintomas

A última entidade a falar foi a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para o Autocuidado em Saúde (Acessa), antiga Abimip. Jorge Raimundo mencionou dados que mostram a relevância do mercado de MIPs: 35% do mercado total farmacêutico em unidades e 27% do volume de faturamento.

“Estamos trabalhando para disseminar a cultura do autocuidado, não da autoprescrição”, defendeu-se. “O autocuidado é prática reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e fortalecer os MIPs favorece o autocuidado. Acreditamos que o Brasil é um país evoluído a ponto de as pessoas saberem o que é isso e fazer o uso correto dos MIPs”, defendeu.

Mesmo defendendo o autocuidado, Jorge Raimundo fez questão de frisar que essa prática não pode ocorrer em qualquer lugar e que, se os MIPs forem para os supermercados, estes deverão seguir todas as regras sanitárias impostas pela Anvisa.

Também citou dados do IQVIA, alegando que 85% das pessoas esperam no máximo 3 dias para a melhora dos sintomas antes de buscar ajuda médica, refutando a alegação de que o uso indiscriminado de MIPs pode mascarar doenças mais graves e piorar o estado de saúde do paciente.

Segundo ele, o DATASUS tem dados que favorecem a aprovação do PL: de 2009 a 2018, apenas 3% das intoxicações foram provocadas por MIPs, enquanto 97% delas foram geradas por medicamentos de prescrição. “Não aceitamos a informação de que MIPs causam tantas intoxicações. Basta ver os dados do DATASUS”, pontuou.

Deputados divergem de opinião sobre os MIPs

Assim como as entidades, os deputados que participaram da audiência pública também divergem de opinião sobre o tema. Para o deputado e médico Luis Ovando (PP-MS), é preciso valorizar o que está disponível: a farmácia. No entanto, para ele, ainda se vê pouco o farmacêutico atuando na orientação sobre uso de medicamentos, referindo-se à venda feita pelo balconista.

O deputado Dr. Luisinho (PP-RJ) é contrário ao PL porque os MIPs em supermercados podem gerar desassistência à saúde e o fechamento de farmácias e desemprego. “A proposta é equivocada. Precisamos ter bom senso. As farmácias fazem parte do sistema integrado de saúde. E, para vender medicamento, o supermercado pode abrir sua própria drogaria”, disse.

O deputado Marcel Van Hatten (Novo-RS) defendeu que a saúde deve estar acessível a todos os brasileiros, numa clara defesa ao PL, que, para ele, facilita o acesso e reduz o custo dos medicamentos. Para Van Hatten, os remédios não são as causas das doenças. “Se há tanta automedicação, há algo de muito errado no sistema. Não é impedindo os MIPs de irem para o supermercado que vamos enfrentar o problema.”

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