Anvisa inicia revisão na RDC 44 para ampliar serviços farmacêuticos

No dia 1º de agosto, a Agência promoverá um Diálogo Setorial para obter informações e sugestões sobre a utilização de testes laboratoriais portáteis em serviços de saúde.

Depois de cinco anos de espera por parte do setor regulado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) inicia formalmente o processo de revisão da Resolução RDC 44/2009, principalmente no que diz respeito aos serviços farmacêuticos que podem ser oferecidos em farmácias e drogarias.

Como parte dessas ações, no dia 1º de agosto, a Agência promoverá um Diálogo Setorial para obter informações, críticas e sugestões sobre a utilização de testes laboratoriais portáteis (TLPs) — do inglês point-of-care testing (POCT) —em serviços de saúde. Esse encontro de Brasília vai orientar a Agência nas próximas etapas de discussão sobre o aprimoramento do marco regulatório de serviços farmacêuticos e de laboratórios clínicos, pois a RDC 302/2005 também será revisada.

O assunto ganhou ainda mais relevância quando a Anvisa chegou a proibir os testes rápidos do Hilab em farmácias e drogarias de todo o Brasil, pois, segundo a Agência, não se trata de autoteste. No entanto, o desembargador do Tribunal Federal da 1ª Região, Aram Mereguiam, concedeu uma liminar permitindo o uso do Hilab nos estabelecimentos farmacêuticos.

Outra medida adotada pela Anvisa está sendo envolver as vigilâncias sanitárias locais. Até o dia 31 de julho, elas deverão responder a um questionário voltado ao levantamento de dados sobre a prestação de serviços de assistência à saúde em farmácias de manipulação e drogarias. O objetivo é coletar e validar informações para aprimorar a RDC 44. A coleta dos dados está sendo realizada por meio de um formulário eletrônico específico para essa ação. Estão convidados a participar os responsáveis pelo licenciamento e pela fiscalização em todo o País.   

“Com o objetivo de conhecer as atividades associadas à assistência à saúde e à assistência farmacêutica que atualmente são realizadas em farmácias de manipulação e drogarias e quais são as atividades ligadas à saúde, estamos solicitando às vigilâncias sanitárias locais que respondam ao questionário. Ele está dividido em quatro aspectos principais: condições gerais, estrutura, procedimentos e monitoramento”, explicou a Agência em comunicado.

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Entenda por que a RDC 44 precisa ser revisada

De acordo com a Anvisa, até o ano de 2014, as farmácias de manipulação e drogarias eram definidas, no Brasil, como um local essencialmente de comercialização de medicamentos e outros produtos regulados pela vigilância sanitária.

Os serviços de assistência básica à saúde que poderiam ser oferecidos nesses estabelecimentos, denominados na RDC 44/2009, seriam a administração de medicamentos, a atenção farmacêutica subsidiada pela aferição de parâmetros fisiológicos (pressão arterial e temperatura corporal) e parâmetro bioquímico (glicemia capilar, por meio de equipamentos de autoteste) e a perfuração do lóbulo auricular para colocação de brincos. 

Com a publicação da Lei Federal 13.021/2014, as farmácias passaram a ser consideradas unidades de prestação de assistência farmacêutica e assistência à saúde, que dispensam medicamentos e outros produtos. Essa lei ampliou o escopo de atuação e trouxe novas possiblidades, como a vacinação, que é regulamentada pela RDC 197/2017 e já vem ocorrendo em várias farmácias brasileiras. “No entanto, demandas para desenvolver outras atividades vêm sendo solicitadas pelos representantes deste setor, como a realização de exames realizados próximo ao paciente, denominados point-of-care testing”, diz a Anvisa.

Setor de farmácias mobilizado pela revisão da RDC 44

O coordenador do Programa de Assistência Farmacêutica da Associação Brasileira das Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), Cassyano Correr, lembra que tem mantido contato com a Anvisa há três anos de forma intermitente para tratar da revisão da RDC 44. “Este ano, em janeiro, participamos de uma reunião com os técnicos para saber quais eram as necessidades para acelerarmos o processo. Já são cinco anos desde a publicação da Lei Federal 13.021, e a RDC 44 ainda não foi atualizada”, pontua ele.

De acordo com Cassyano, a partir do momento em que a farmácia passa a ser uma unidade de prestação de serviços de assistência farmacêutica e de saúde, novas prerrogativas surgem, como oferecer serviços num nível muito mais alto do que se oferece atualmente.

“Nosso principal pleito junto à Anvisa tem sido respeitar essa nova natureza da farmácia, voltada aos serviços de saúde, que é uma questão definida em lei federal. A Anvisa precisa entender que os serviços são todos aqueles que são da competência do farmacêutico, competência essa definida pela Resolução 585/2013, que trata das atribuições clínicas dos farmacêuticos. Portanto, a Anvisa não pode cercear o exercício da profissão”, argumenta Cassyano.

O que cabe à farmácia é estar regularizada em todos os aspectos. “Recomendamos que o estabelecimento esteja no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) e que na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) constem os serviços prestados, porque isso dá à farmácia a natureza de unidade prestadora de serviços de saúde e assistência farmacêutica”, observa o coordenador da Abrafarma. Há dois códigos de CNAE para esse fim: Serviços Farmacêuticos (2.25.20-7) e Serviços de Vacinação (2.25.41-0).

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O que são os testes laboratoriais remotos?

Para o setor, a pauta mais importante são os testes rápidos. “Os farmacêuticos não podem oferecê-los como parte do serviço, mas deveriam, porque, no processo de atendimento ao paciente, esses testes dão subsídios para se rastrear uma série de problemas, como doenças infecciosas, por exemplo, ou para acompanhar o tratamento. Tendo acesso a essas informações, o farmacêutico consegue identificar, nesse paciente, situações críticas mais rapidamente e fazer intervenções mais oportunas para ajudá-lo”, defende Cassyano.

Segundo a RDC 36/2015, entende-se por point-of-care testing (POCT) ou teste laboratorial remoto (TLR) a testagem conduzida próximo ao local de cuidado ao paciente, inclusive em consultórios e locais fora da área técnica de um laboratório, por profissionais de saúde ou por pessoal capacitado pelo Ministério da Saúde e/ou secretarias estaduais e municipais de Saúde.

Os mais comuns e agora proibidos temporariamente, pela Anvisa, de serem realizados em farmácias e drogarias, são: perfil lipídico, TSH, PSA, BHCG, vitamina D, gravidez, hepatites B e C, anti-HBSAG, sífilis, HIV utilizando apenas algumas gotas de sangue, colesterol total, dengue, chikungunya, zika e hemoglobina glicada.

Para o setor, os testes remotos fazem parte do processo de cuidado farmacêutico e contribuem para que a farmácia seja uma porta de entrada para o sistema de saúde. Além disso, é um mercado em expansão que não pode ser ignorado. No mundo todo, as farmácias estão caminhando para isso.

Na Europa, há mais de 20 países em que os point-of-care testing são realizados em farmácias. Nos Estados Unidos, Canadá, Austrália e Nova Zelândia também é comum encontrar estabelecimentos farmacêuticos com esses serviços. E mesmo no Oriente Médio e na Ásia esse assunto já é tendência.

“A nossa expectativa é que essa revisão na RDC 44 possa incluir os testes rápidos. Acredito que, se conseguirmos avançar, a saúde da população vai sair ganhando, porque a farmácia é o primeiro lugar onde o paciente reclama da dor. Caberá a nós, farmácias e farmacêuticos, fazermos o teste rápido e encaminhar o paciente quando necessário”, pontua Ricardo Valdetaro, farmacêutico e proprietário da Farmácia do Leme, uma das primeiras a oferecer serviços farmacêuticos no Rio de Janeiro.

Coleta de dados e tecnologia de ponta

Além da inclusão de todos os testes remotos na nova regulamentação, a expectativa é que a Anvisa trate também da questão da coleta de dados dos pacientes. “No momento da consulta farmacêutica – sim, trata-se de uma consulta e uniformizar a terminologia é fundamental –, coletamos uma série de informações sobre o histórico clínico e de medicamentos dos pacientes. São dados muito importantes, que podem ser utilizados em benefício da saúde da população brasileira e que, atualmente, ficam guardados na farmácia, quando poderiam estar alimentando um banco de dados único para tomadas de decisão do próprio Ministério da Saúde”, analisa o farmacêutico, especialista em Serviços Tecnológicos de Saúde e diretor da Ponto Care, Guilherme Torres.

Em relação às limitações que a RDC 44 impõe, Guilherme espera também que se possa ter mais liberdade para trazer inovação de fora do País para dentro da farmácia. “Importar novas tecnologias é fundamental para avançarmos, mas, hoje em dia, os custos de importação e de registro são altos. Não é inventar moda, mas tem muita tecnologia lá fora que é interessante trazer para cá, obviamente com registro da Anvisa. Mas as limitações atuais desanimam os empresários, que não querem arriscar”, considera.

Revisão da RDC 44 pode trazer mais interação com os pacientes

A presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio de Janeiro (CRF-RJ), Tania Mouço, participou de algumas ações internas em relação à revisão da RDC 44. “O que a gente espera é que ela amplie o leque de serviços farmacêuticos, incluindo a prescrição farmacêutica prevista na Resolução 586/2013, do CFF, que também é uma atribuição do farmacêutico, e que permita, de uma vez por todas, que possamos chamar o ‘cantinho do farmacêutico’ de consultório farmacêutico, sem receio de estar cometendo uma ilegalidade.

Segundo a Abrafarma, a expectativa é que o ano de 2019 termine com mais de duas mil salas farmacêuticas em funcionamento no Brasil. “A maioria dos espaços está padronizada, trazendo bem mais do que a RDC 50/2002 preconiza em termos de infraestrutura, até porque começa a se perceber que é uma grande oportunidade de se levar um serviço de saúde diferenciado para o cliente. Então, os espaços, em geral, são agradáveis, confortáveis e ultrapassam o mínimo exigido pela legislação”, destaca Guilherme Torres, que monta salas farmacêuticas em todo o Brasil.

A farmacêutica, especialista em assuntos regulatórios e diretora da Organize Farma, Betânia Alhan, acompanha a questão pelo viés sanitário há alguns anos. Segundo ela, a lei 13.021 deu mais relevância aos serviços farmacêuticos e seus impactos na saúde da população, o que viabilizou uma maior abertura da vigilância sanitária em relação ao licenciamento sanitário, mas com algumas limitações devido à RDC 44. Agora, com a revisão da norma, as vigilâncias locais terão mais liberdade para licenciar serviços farmacêuticos que ainda não estavam previstos pela Anvisa.

“Além disso, a legalização do consultório e a ampliação dos serviços prestados permitirá uma maior interação dos farmacêuticos com os pacientes, de modo que a farmácia se torne referência como estabelecimento de saúde, com um atendimento mais acessível a todos, favorecendo o uso racional de medicamentos”, finaliza.

Serviço

  • Diálogo Setorial
  • Data: 1º de agosto de 2019
  • Horário: 8h30 às 18h
  • Local: auditório da Anvisa, em Brasília

Obs.: Não é necessário confirmar participação, que está condicionada à lotação do auditório. O espaço tem capacidade para 240 pessoas.

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